Inspiring Alumni – Hélder Bruno | “Quando for grande quero ser musicólogo”
“Quando for grande quero ser musicólogo”
Hélder Bruno é compositor, pianista, musicólogo e professor da licenciatura em Estudos Musicais Aplicados na ESEC, onde iniciou a seu percurso académico, concluíndo a licenciatura de Professor de Ensino Básico, variante de Educação Musical, em 1999. Seguiu para um mestrado em ciências musicais na FLUC, culminando em 2005 com a apresentação do primeiro estudo sobre jazz durante a ditadura do Estado Novo. Publicou a adaptação da dissertação, “Jazz em Portugal (1920-1956)”, em 2006. Após um doutoramento na Universidade de Aveiro, foi vereador em Câmara Municipal da Lousã de 2009 a 2016. Concluiu o doutoramento em 2020 e publicou o seu quarto livro: “É jazz quando me chegam lágrimas aos olhos”. Atualmente, é também consultor e desenvolve projetos para várias entidades.
Qual o seu percurso profissional após a conclusão do curso na ESEC?
A licenciatura na ESEC foi o ponto de partida. Foi aqui que se deu a minha iniciação académica e científica. Depois da licenciatura (em 1999) ingressei no mestrado em ciências musicais na FLUC e fui assistente na ESEC, em 2001. Em 2005 concluí o mestrado e tive a sorte de ter apresentado o primeiro trabalho académico realizado em Portugal sobre o fenómeno do jazz e a ditadura do Estado Novo, no período compreendido entre 1920 e 1956. Em 2006, a editora Almedina publicou a adaptação da dissertação de mestrado sob título Jazz em Portugal (1920-1956).
Passei depois para a Universidade de Aveiro onde iniciei o doutoramento e integrei o polo do Instituto de Etnomusicologia – uma unidade de investigação com sede na Universidade Nova de Lisboa. Entre 2007 e 2009 fui assistente na ESECD do IPGuarda, de musicologia e etnomusicologia.
Desenvolvi trabalho científico enquanto investigador, bolseiro da FCT e doutorando na UA; apresentei comunicações em congressos, em Portugal e no estrangeiro (como era minha obrigação, aliás). Por esta altura desenvolvi e propus um método de apoio à decisão para a definição de estratégias de prosperidade, o qual designei… pomposamente, «ecocracia».
De uma forma resumida (e superficial) a ecocracia parte dos contextos sociais e culturais existentes (micro ou macro) e potencia-os no sentido a promover a prosperidade… Parte da cultura, evidentemente: cultura é “um todo complexo” e, portanto, a economia que temos e fazemos resulta da cultura que somos.
Foi por isto que o Dr. Fernando Carvalho, presidente da CMLousã, à época, me convidou a integrar a lista candidata à CMLousã nas eleições de 2009. Fui eleito. Tomei posse como vereador a tempo integral (e de corpo e alma) dos pelouros de Educação, Cultura, Juventude, Turismo, Empreendedorismo. Fui convidado depois para um segundo mandato, por Luís Antunes, mas demiti-me em abril de 2016.
Regressei ao doutoramento na Universidade de Aveiro e à sábia orientação da Professora Doutora Susana Sardo (etnomusicóloga, professora catedrática da UA). Também nessa altura voltei à composição, ao piano e aos palcos (atividade que tinha deixado de lado por volta de 2001, quando ingressei no mestrado da FLUC). Já lá vão dois álbuns e o terceiro está no prelo.
Também coordenei a pós-graduação em Gestão nas Indústrias da Música, na CBS/ISCAC. Em 2020 concluí o doutoramento e publiquei o meu quarto livro, que resulta da adaptação da minha tese de doutoramento, sob o título “É jazz quando me chegam lágrimas aos olhos” José Duarte (1938-2023), editado pela Cordel D’Prata com apoio da UA, do INETmd, do Centro de Estudos de Jazz da UA e da Sociedade Portuguesa de Autores.
Para além disto sou consultor senior-perito e tenho desenvolvido estudos e projetos para para entidades públicas e privadas, como a Dir. Geral das Artes, o Inst. Camões, o Min. do Turismo da Guine Bissau, para o programa ProCultura, a CCDR-Norte, entre outras, no país e no estrangeiro.
Quais considera terem sido os momentos decisivos da sua carreira?
Sem pensar muito, no âmbito da carreira profissional sinto que foram: a licenciatura na ESEC, o mestrado na FLUC, o doutoramento na UA, ser investigador no INETmd, ter sido bolseiro de doutoramento; a publicação dos livros; a consultoria para a DGArtes e para outras entidades; a conceção «ecocracia» – metodologia de apoio à decisão; a criação da primeira pós-graduação em Portugal em gestão nas indústrias da música na CBS/ISCAC; ser cofundador da WHY Portugal (associação empresarial para a internacionalização do setor da música portuguesa); a docência no ensino superior; o lançamento dos dois álbuns; o prémio em Providence (Rhode Island, EUA) nos IPMA TAP Air Portugal 2023 (best world music performance), o regresso à docência na ESEC.
Concluiu a sua formação como Professor de Ensino Básico, variante de Educação Musical na ESEC e regressou agora como docente da licenciatura em Estudos Musicais Aplicados. Quais foram as grandes diferenças que encontrou?
Muitas e boas! O curso tem um plano de estudos mais focado nas ciências e artes musicais, que integra também unidades curriculares em novas tecnologias da música. A existência de estúdios (áudio e vídeo) são bastante importantes uma vez que possibilitam aos estudantes compreenderem o funcionamento de um estúdio, como produzir música, as fases e os processos, da captação à masterização. O curso poderá proporcionar uma sólida formação científica musicológica e, simultaneamente, estimula a prática e a interpretação musicais sem qualquer barreira estética. A este nível, julgo ser o único curso em Portugal.
Que conselhos daria aos estudantes de Estudos Musicais Aplicados que aspiram seguir uma carreira na música?
Penso que os licenciados que aproveitarem a formação de forma dedicada, empenhada, inteligente, estarão aptos para prosseguir atividade nos quatro principais ramos de atividades do setor da música: científico, enquanto investigadores; pedagógico, no ensino formal e/ou informal, na direção de grupos amadores ou profissionais, em diferentes contextos; no ramo técnico, enquanto programadores, gestores culturais, técnicos superiores em entidades privadas ou públicas; artístico/performativo, enquanto compositores, intérpretes, músicos, produtores, em várias estéticas e linguagens musicais. Gostaria de alertar para a responsabilidade social que cada licenciado irá e deverá assumir nas comunidades e nas funções profissionais que vier a desempenhar. Cientificamente somos herdeiros de uma tradição científica milenar que exige uma atitude deontológica séria, rigorosa, com qualidade e excelência. Em termos artísticos, se for essa a sua opção, a responsabilidade não deverá ser menor. As produções em que se envolverem, quaisquer que elas sejam, devem pautar-se igualmente pela conceptualização, pela reflexão crítica, quer em relação ao objeto estético em si mesmo, quer relativamente ao impacte social que o objeto estético poderá alcançar e quais as consequências. A este respeito, é importante ter presente as orientações da doutrina do ethos, por exemplo, ou as considerações sobre estética, ética e moral, ou sobre o trabalho e os trabalhadores nas artes, ou sobre a economia das artes e a importância da música na vida… entre muitos outros aspetos, conceitos e teorias que são abordados no curso e que um licenciado deve ter em consideração na sua atividade profissional.
Quais são os seus próximos projetos ou objetivos profissionais?
Quero ser musicólogo (risos). Quero investigar, quero ensinar. Se tivesse que optar, era isto que fazia a tempo inteiro. É mesmo o que mais me realiza. Musica est scientia bene modulandi (como disse Santo Agostinho, num dos seis volumes que escreveu intitulados De Musica, datados de 389 d.C.).
A minha opção de carreira profissional deu-se na adolescência, ainda enquanto estudante no Conservatório de Música de Coimbra, quando descobri o universo das ciências musicais e da musicologia (lato sensu). Foi uma verdadeira epifania: “isto existe!? Quando for grande quero ser musicólogo”. E ainda estou a tentar (risos)… Mais do que a música-arte (ou as artes musicais) foi o fascínio pelos mistérios da música-ciência e a sua tradição epistemológica na cultura ocidental que me atraíram.
O mistério da «harmonia» fez emergir uma ciência (ou conjunto de ciências) milenar, que desde as antigas civilizações avançadas se afirmou como uma ciência distinta da arte-música. Desde a Escola Pitagórica – Pitágoras (séc. V a.C.) é o patrono da musicologia europeia – às primeiras escolas monásticas e catedralícias, e mais tarde com a fundação das universidades, que as ciências musicais e a musicologia têm produzido conhecimento e servido a humanidade em várias áreas de conhecimento. A «musica scientia», como designou Santo Agostinho (séc. IV d.C.) fazia parte do Quadrivium (onde se encontravam as ciências exatas: música, aritmética, geometria e astronomia, de acordo com a tradição da Escola Pitagórica onde estas ciências eram estudadas). O quadrivium era estudado no Escola de Sta. Cruz de Coimbra, ainda antes da fundação da Universidade.
Foi este universo que me inspirou a prosseguir o sonho da musicologia. No fundo, acho que gostaria de ser um monge do quadrivium a circular na ESEC com toga doutoral e um candelabro a pingar cera… em vez de um gabinete, preferia uma cela (risos).