Prémio Leonor Riscado – Investigação em Literatura para a Infância.

In Memoriam

 

A Excelência Discreta*

Agradeço a honra de participar na presente cerimónia de divulgação desta iniciativa, que considero de absoluta justiça, tendo em conta a figura da professora que aqui leccionou ininterruptamente desde maio de 1995 a junho de 2021. Tive a honra de pertencer ao júri que validou a sua candidatura e de trabalharmos em conjunto quase até ao final do seu percurso docente. “A excelência discreta”, com que intitulei esta breve comunicação, sintetiza, a meu ver, o facto de ter uma carreira discreta, mas plena de realizações naquilo que considero fundamental – a formação científica e humana dos discentes, sejam eles alunos (portugueses ou estrangeiros), professores em exercício, investigadores, bibliotecários, actores dramáticos, animadores culturais, pais. Num tempo de fama e de famosos, sempre cultivou a discrição, afastando qualquer pingo de divulgação do seu valor e competência.

Há um ponto prévio que urge referir. Leonor Riscado decidiu destruir toda a documentação, em suporte físico ou virtual, que produziu ao longo da sua vida profissional, o que nos dificulta seriamente elaborar com rigor o seu percurso intelectual e profissional. Daí que me confronte com esse vazio, o que lamento profundamente. Respeito a sua decisão. Assim, irei focar-me em todo o trabalho de que tive conhecimento directo ou que realizámos em articulação no domínio da Literatura Infantil.

O seu percurso académico foi diversificado, tendo leccionado no Ensino Secundário e no Ensino Superior. Convidada para assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, aí exerceu a docência e a investigação ao longo de cinco anos; passou, depois, a leccionar na Escola Superior de Educação de Castelo Branco durante dois anos lectivos, e em 1991 concorreu e foi admitida na Escola Superior de Educação de Coimbra. Em 1998 é nomeada professora adjunta na área de Língua Portuguesa. Para lá da leccionação, foi coordenadora, durante vários anos, da respectiva área científica. No biénio 2001-2003 foi eleita Presidente do Conselho Científico da Escola Superior de Educação de Coimbra.

Desde o ano lectivo de 1995-96 começámos a articular os nossos trabalhos, já que eu desejava poder partilhar as tarefas na docência e investigação da Literatura Infantil para me dedicar à supervisão da designada “prática pedagógica” do 2º ciclo; abraçou o projecto e, passado pouco tempo, revelou-se uma investigadora de grande qualidade e uma docente exemplar nesta área. Construiu uma extraordinária biblioteca pessoal de literatura para a infância para que os seus alunos dispusessem do melhor que era editado em Portugal e no estrangeiro. Numa ida à Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, dialogou com a nata internacional dos escritores e ilustradores; a título pessoal, pensando sempre no seu trabalho docente, fez aquisições de numerosas obras e tornou-se difícil não pagar o excesso de bagagem no regresso a Portugal. Encarava estes contratempos com um sorriso. Sempre a pensar nos seus alunos, a quem emprestava os livros regularmente, e no investimento desse capital na ampliação do número de crianças boas leitoras, com anti-corpos face a produtos de má qualidade a proliferar em muitas escolas, construía as aulas com uma fundamentação científica e prática exemplares. As aulas de Leonor Riscado eram fabulosas, cativantes, desafiantes. Que o digam os alunos que ficavam a dispor de ferramenta privilegiada; disponibilizava-lhes os seus livros infando-juvenis para que, em estágio ou já na vida profissional pudessem brilhar; parafraseando a sentença popular, “dava o peixe, mas ensinava-os a pescar”. O conhecimento que adquiriam tinha uma vertente prática, suportado pelo rigor da Teoria da Literatura. E não esqueçamos aquela voz, quente e expressiva, que ela emprestava aos momentos de leitura, tornando aqueles minutos inesquecíveis, como eu vi e como me testemunharam muitos dos seus alunos e formandos.

No domínio da investigação, produziu numerosos artigos, da sua exclusiva autoria ou em parceria comigo, sempre assumindo a instituição académica a que pertencia e não aquelas em que pontualmente leccionou em regime de acumulação. De uma extrema honestidade intelectual, nunca admitiu equívocos, pois era professora adjunta da ESEC. Instituições privadas tiveram a sua colaboração docente temporária, como a Escola Superior de Educação de Santa Maria, do Porto (2001 a 2018), a Universidade Católica, de Lisboa, ou a Universidade do Algarve.

Orientou teses de mestrado, levando os alunos a pesquisar em fontes fiáveis, disponibilizando frequentemente obras da sua biblioteca pessoal e, por vezes, mandando vir do estrangeiro títulos recentes que não se encontravam ainda no nosso mercado. Revia com toda a atenção os textos, para que não houvesse erros em língua portuguesa (recordo-me que reviu integralmente e corrigiu uma tese longa de doutoramento, transformando um texto confuso num texto legível para ser publicado).

Em determinados projectos e Programas, Leonor Riscado e eu considerámos ser do interesse dos nossos alunos ou formandos um trabalho conjunto e articulado, sem com isso representar qualquer aumento pecuniário para o erário público. Começámos a realizá-lo com o Programa ERASMUS, em que os alunos, para lá de aprenderem Português, sentiram da nossa parte um apoio quase parental (foi referido nas avaliações); aquisições linguísticas e culturais foram a marca que deixámos, especialmente por parte da professora que hoje homenageamos. Nos Programas LINGUA e COMENIUS tivemos também um trabalho conjunto que recordo com emoção, juntando a memória do nosso querido Colega Silvio della Corte, um napolitano competentíssimo (recebeu em tempo próprio a homenagem da cidade de Nápoles) com quem estabelecemos fortes laços de amizade e camaradagem profissional e institucional.

Leonor Riscado realizou acções de formação de grande interesse, integradas no PROGRAMA FOCO. Foram momentos de actualização científica e profissional de que houve um interessante retorno. A Teoria da literatura para a Infância, há muito desenvolvida em Universidades estrangeiras (na Europa, Estados Unidos e América do Sul) constituiu terreno profícuo para novas aprendizagens, particularmente por parte de educadores de infância e professores do 1º e 2º ciclos, o que permitiu novas práticas no terreno, devidamente fundamentadas.

Paralelamente, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas constituiu uma bolsa de formadores para percorrerem o país no sentido de actualizar professores e outros profissionais, ligados directa ou indirectamente ao livro. Um convite irrecusável já que ele ia ao encontro do que pensávamos sobre esta matéria. Não posso quantificar o número de acções realizadas (quase sempre às sextas e sábados) pela colega Leonor Riscado, só ou em estreita colaboração comigo. Pela concentração de horas necessária (entre 12 e 16 horas) foi um trabalho com um retorno muito significativo e cuja duração explica o sucesso. Muitos formandos registaram nos seus comentários o deslumbramento pela competência científica e pela força actualizadora daquela professora da ESEC. Sim, porque o nome da instituição a que pertencia estava sempre presente.

Em setembro de 2006 fomos convidados para, no início do ano lectivo, concretizar um curso intensivo de Literatura para a Infância e Juventude na Universidade do Algarve. Sendo os destinatários professores do 1º ciclo, moldámos a formação muito direccionada à actividade docente específica. Na avaliação final anónima, foi salientada a imensa competência da formadora pela panóplia de saberes e propostas inovadoras. As palavras também aquecem “a missão cumprida”.

Ainda no domínio da docência, a parceria que estabelecemos com a Universidade Católica foi muito interessante, pois tratava-se de uma pós-gradução ligada ao tema “Livro”, nas suas múltiplas perspectivas e análise. Os responsáveis, conhecedores do trabalho que tínhamos desenvolvido em parceria noutras situações, queriam que delineássemos um módulo que fosse ao encontro da diversidade de interesses dos candidatos à formação. Aceite o desafio, assim se concretizou o nosso contributo, em horário pós-laboral, à sexta e ao sábado. Desenvolvemos o projecto desde 2008 a 2020. Foi um final de carreira muito marcante para os dois, pois sabíamos que não haveria mais parcerias. A sementeira estava feita e Leonor Riscado ainda é hoje recordada por aqueles formandos, pois, para lá de toda a sua competência científica e pedagógica, lia extraordinariamente bem e transfigurava-se numa expressividade encantatória que a todos tocava.

Pertenceu à Associação Portuguesa de Críticos Literários, sendo responsável pelos Balanços Literários na área da Literatura para a Infância e Juventude durante vários anos; era uma voz crítica muito ouvida e respeitada e os seus balanços foram publicados no conjunto das outras vertentes canónicas.

Fez parte da equipa que criou o OBLIJ (Observatório da Literatura Infantil e Juvenil), sediado na Universidade de Trás-os-Montes, infelizmente com vida curta devido ao provincianismo que o dominou.

Pertenceu ao grupo redactor permanente da Revista Malasartes, Cadernos de Literatura para a Infância e Juventude, criada em 1999 e que termina em 2011 por falta de oxigénio financeiro. Artigos, que ainda hoje não perderam valor, e recensões são fonte de consulta.

Colaborou, através de artigos e recensões, com a revista “Pais e Filhos”, sabendo adequar os seus textos ao grande público, pela transparência e acessibilidade e recusa de qualquer jargão técnico.

Foi membro de júris diversos, seja no âmbito profissional, seja no de investigadora; registo aqui as várias participações na elaboração da Lista de Honra da secção portuguesa do IBBY (International Board on Books for Young People), no Prémio Nacional de Ilustração, no Prémio Bissaya Barreto de Literatura Infantil e Juvenil, no Prémio Pingo Doce de Literatura Infantil (no caso vertente destas duas instituições, contribuiu para o seu regulamento e foi sempre convidada para os júris bi-anuais)

Leonor Riscado fez parte, desde o seu início, da equipa responsável pela criação e desenvolvimento da “Casa da Leitura”, um espaço on line criado pela Fundação Calouste Gulbenkian, destinado a promover a leitura de qualidade dirigida a crianças e jovens. Ainda hoje é possível consultar alguns conteúdos presentes na nuvem que não perderam actualidade, malgrado o tempo já passado.

Duas vertentes da vida profissional e social  desta nossa Colega merecem aqui referência – o seu contributo para o Plano Nacional de Leitura e os laços de forte amizade que surgiram com escritores e ilustradores, partilhando entre si uma consideração e respeito mútuos. No primeiro caso, recordo que Leonor Riscado entrou  para o grupo de trabalho quando houve necessidade de superar um mau início, passando a coordenação a pertencer a Isabel Alçada e a Teresa Calçada. Ali se manteve como especialista, garantindo, com um trabalho de rigor, a qualidade da seleção de livros para a infância e juventude. A sua identidade profissional – professora da ESEC – foi sempre preservada.

Ao longo da vida, uma forte amizade ligou-a a escritores como António Mota, João Pedro Messeder, Alice Vieira, Maria Alberta Menéres, António Torrado, Matilde Rosa Araújo. Foi curadora da grande exposição que a Sociedade Portuguesa de Autores realizou sobre a vida e obra de Matilde em 2018, celebrando os seus 90 anos. Um trabalho que lhe exigiu um enorme empenho, compensado pelo êxito por todos constatado. Tinha com esta grande escritora e poeta uma relação afectiva quase filial; falavam todos os dias. Sei quanto Matilde amava esta “filha”.

Apresentei aqui factos que ilustram o perfil de Leonor Riscado e que documentam a forma superior como representou a instituição que acolheu o seu trabalho. Espero que todos tenham ficado cientes da justeza deste prémio agora criado e que a homenageia com absoluta justiça.

Para concluir, creio que seria oportuno transmitir-vos um texto publicado no PNL e da autoria de um colega que é uma referência na nossa área de investigação – José António Gomes, professor – coordenador da ESE do Porto.

“Deixou-nos no passado dia 4 de Junho. Conhecíamo-nos há muitos anos. Era, acima de tudo, uma amiga fiel, verdadeira e solidária, de uma delicadeza de espírito rara, nos antípodas de qualquer espécie de egocentrismo. Mas foi também uma das professoras e investigadoras que mais sabiam, entre nós, sobre literatura para a infância e a juventude (LIJ). Escreveu muito e bem (comunicações, artigos, recensões críticas, apresentações públicas de livros) sobre os mais diversos autores e dirigiu não poucas teses e relatórios finais de mestrado sobre pedagogia da leitura e sobre LIJ. Fê-lo na Escola Superior de Educação de Coimbra, onde leccionava (e fazia-o com grande entrega pessoal e profissional), e onde desempenhou cargos como o de presidente do Conselho Científico. Foi ainda membro da Associação Portuguesa de Críticos Literários, da comissão de redacção, além de colaboradora permanente, da revista “Malasartes – Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude” (1999-2011), com textos sempre marcados pela qualidade da escrita, pelo rigor e por uma sensibilidade peculiar. Foi, além disso, colaboradora, desde a primeira hora, do Plano Nacional de Leitura, e membro de diversos júris de prémios literários.

Deixa em todos os que a conheciam (colegas, escritores, ilustradores, amigos, alunos) uma enorme saudade. Nunca esqueceremos o seu olhar, o seu sorriso, a sua voz.”

*Discurso de homenagem proferido pelo Dr. Rui Veloso (Docente aposentado da ESEC)  durante a cerimónia do Dia da ESEC, no dia 18 de outubro de 2024.

.

Prémio Leonor Riscado – Investigação em Literatura para a Infância, atribuído a cada dois anos, tem como objetivo contribuir para a promoção de linhas de estudo, investigação, análises inovadoras e de notável qualidade destinadas à compreensão da literatura para a infância e à valorização e fomento deste campo dos estudos literários.

A atribuição deste reconhecimento distinguirá um trabalho académico, um estudo, investigação e/ou livro inédito que tenha sido produzido nos dois anos anteriores à data de submissão da candidatura e a ele podem concorrer todos os investigadores, nacionais ou internacionais, desde que o texto tenha sido redigido em Portugal.

O júri será composto por cinco elementos a designar, em cada edição, mediante a proposta atempada do Grupo Científico e Disciplinar de Humanidades ao Conselho Técnico-científico da Escola Superior de Educação.

Foi esta uma das formas, talvez a mais legítima e afetiva que a ESEC traçou para eternizar não apenas a lembrança de Leonor Riscado, cuja vida foi tão sóbria quanto brilhante, mas ainda, para revivificar a sua sublime inspiração e os ensinamentos que nos deixou no âmbito dos estudos da literatura para a infância.

Este prémio corporiza, pois, não apenas o desígnio maior da vida profissional de Leonor Riscado, mas ainda uma paixão que ela abraçou ao longo de toda a sua vida e que lhe granjeou o mais vivo reconhecimento nacional e internacional.

 

 

 

 

PRÉMIO LEONOR RISCADO

INVESTIGAÇÃO EM LITERATURA PARA A INFÂNCIA

 

REGULAMENTO

Cláusula Primeira

ÂMBITO

O Prémio Leonor Riscado – Investigação de Literatura para a Infância é uma iniciativa da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra e terá um regime bianual.

Cláusula Segunda

OBJETIVO

Este prémio tem como objetivo contribuir para a promoção de linhas de estudo, investigação e de análises inovadoras e de notável qualidade destinadas à compreensão da literatura para a infância e para a valorização deste campo de estudos literários. Todos os trabalhos submetidos devem, pois, enquadrar-se no âmbito específico da literatura para a infância.

 

 

Cláusula Terceira

DESTINATÁRIOS

  1. O Prémio distingue um trabalho académico, estudo, investigação e/ou livro inédito que tenha sido produzido nos dois anos anteriores à data de submissão da candidatura.
  2. Não se aceitam reedições de trabalhos cuja elaboração tenha ocorrido, ainda que em formato inédito, fora desse período.
  3. A este Prémio podem concorrer todos os investigadores, nacionais ou internacionais, desde que o texto tenha sido redigido em Português e concebido em Portugal.

Cláusula Quarta

PRÉMIO

O valor do Prémio é de €5.000,00 (cinco mil euros) e é atribuído ao autor e/ou aos autores do estudo, caso se trate de um trabalho coletivo.

 

Cláusula Quinta

CANDIDATURA

  1. O prazo de candidatura decorre de 1 de janeiro até 30 de junho do ano da candidatura.
  2. A candidatura é formalizada, exclusivamente, através do envio através de plataforma digital sediada em: https://www.esec.pt/premio-leonor-riscado/
  3. Cada candidato pode submeter apenas um trabalho de investigação por edição do prémio.

 

Cláusula Sexta

JÚRI

O júri é composto por cinco elementos a designar, em cada edição, mediante proposta atempada do Grupo Científico e Disciplinar de Humanidades ao Conselho Técnico-científico da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra.

 

Cláusula Sétima

AVALIAÇÃO DAS CANDIDATURAS E ENTREGA DO PRÉMIO

  1. O júri poderá deliberar a não atribuição do Prémio se os textos a concurso não tiverem a qualidade exigida, uma vez que os critérios de avaliação contemplam entre outros, originalidade, relevância, inovação no campo de estudos, rigor metodológico, contribuição para o reconhecimento dos estudos literários nesta área, e qualidade da escrita.
  2. Das decisões do júri não haverá recurso.
  3. A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra divulgará a obra vencedora até 31 de dezembro do ano em causa, sendo a entrega do Prémio realizada em cerimónia pública promovida pela instituição para esse efeito, em data a anunciar.
  4. A edição digital e de acesso aberto do trabalho premiado ficará a cargo da Editora da ESEC.

 

Cláusula Oitava

DISPOSIÇÕES FINAIS

  1. Os casos omissos e dúvidas de interpretação deste Regulamento serão analisados e decididos pelo Grupo Científico e Disciplinar de Humanidades e, em última instância, pelo Conselho-Técnico-científico da unidade orgânica que propõe este prémio.
  2. Este regulamento, bem como a ligação para o sítio onde se devem fazer as candidaturas ficarão visíveis na página da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra.
  3. A participação no prémio implica a aceitação integral deste regulamento.

 

 

Prazo de candidatura: 1 de janeiro até 30 de junho

Submissão de candidatura: Prémio Leonor Riscado